Escutava-o.
Entre respirações arquejantes e gemidos asfixiados, destacava-se uma voz masculina grave e ligeiramente dominadora, nos pedidos que fazia.
Firme, sussurrava palavras que me excitavam a mim, que as ouvia surpresa, mas mais ainda a quem executava as suas ordens com prontidão, no meio daquelas escadas que davam para o pátio.
A pouca luz que iluminava aquele vão de escadas, contornava a linha dos corpos que juntos partilhavam um acto de prazer comum a ambos, e que pareciam tentados a deixarem-se levar pela fantasia que partilhavam ali, comum a todos mas em que só eles participavam.
Pelo menos assim julgavam.
Tenho receio.
Pavor de encontrar-te em alguma esquina da internet onde habitualmente nos cruzávamos aqui e ali e onde brotou o que sinto, ou sentia. Já nem sei.
Tenho receio de te redescobrir numa ou noutra epiderme, parece que colido em ti a cada site que examino, a cada perfil que vejo. Quando noto correspondências, sustenho a respiração, procuro gostos, hobbies onde te reconheça, que consiga dizer, és tu. Mas nada me dá certezas, e nem sei se as quero ter realmente. Prefiro ficar assim, na dúvida,porque a dúvida segura-me, sustem-me no acto seguinte que se adivinha.Identifico amigos em comum, gostosque sabia que eram os teus, semelhanças em textos escritos. Mas não quero ler,para que a dúvida não passe a certezas, e para que as certezas não voltem a transformar-se em dúvidas que nos obrigue a afastar de nós. Ou que te obriguema colocarem-me à distância de mim. Não sei o que nos aconteceu.
Sei apenas que não me esqueci de ti.
Rabisco porque me liberto.
Porque detrás de cada letra que se transforma irradio muito do que sou, mesmo que não saibam o significado do que [te] digo, mesmo que as palavras vos pareçam desordenadas, sem nexo, sem qualquer fundamento para que as mesmas sejam ditas.
Rabisco porque sinto. Julgam que me conhecem e regozijo com isso. Gargalho silenciosamente através dessas mesmas palavras, porque através das mesmas atordoo, silencio-me, mas deixo suspensas meditações que vos levam a fantasiar.
Não busco compreensão, no que [Te] escrevo.
Apenas me solto através das palavras porque com elas o que sinto alcança vida, ganha uma forma mesmo que com nada se pareça.
Forma essa que me transforma, forma essa em que me avalio.
E [me] dou de mim.