Cheguei a casa finalmente.
Tudo estava como tinha deixado apenas eu estava diferente. Ou sentia-me diferente.
Deitei-me pesadamente em cima do sofá e respirei fundo. Fechei os olhos e desejei esquecer tudo naquele preciso instante, a única coisa que queria era adormecer e fazer de conta que nada daquilo se tinha passado. E esquecer Pedro. Isso era fundamental para a minha saúde mental, pensei. Que me adiantava alimentar uma esperança que quando Pedro regressasse e se isso chegasse a acontecer, tudo seria da mesma forma? Até porque nessa altura já estaria a trabalhar e os dias que tínhamos passado juntos iriam ficar no passado e os próximos já não seriam sentidos da mesma forma. Os meus compromissos profissionais já estariam de volta e iriam ocupar a maioria do meu tempo, sabendo eu que poucas horas restariam para mim e para a quase inexistente vida pessoal que já não tinha desde algum tempo. Liguei a televisão, na esperança que algo me distraísse, ainda pensei tentar ler um livro que tinha comprado recentemente, mas estava sem paciência para qualquer um deles. Nada me iria distrair e eu sabia disso perfeitamente.
Olhava para o telemóvel instintivamente na esperança de ver qualquer coisa que me dissesse que estarias a passar pelo mesmo, ou que no mínimo te preocupavas. Nada. Nem uma mensagem. Nem um telefonema.
Estava com fome e só agora estava a dar-me conta disso. Fui até a cozinha preparar algo para comer.
Olhei através da janela da cozinha, a noite já estava escura.
Amanhã Pedro voltaria as suas origens.
E eu ainda tinha uma semana pela frente, tinha era que aproveitar os dias que me restavam para espairecer e deixar os últimos acontecimentos para trás.
E esperar que o tempo resolvesse aquilo que nós não conseguimos resolver como adultos que éramos.
Depois de um banho iria sentir-se melhor tinha a certeza disso.
Estava a preparar-me para isso quando me sobressaltei com o toque da campainha. Mas quem seria aquelas horas da noite?! Hoje não era realmente um dia bom para muitas conversas.
- Quem é? Rezinguei através do intercomunicador.
- Eu. – Disse-me uma voz familiar. – Posso subir?
Fez-se um momento de silêncio. Não sabia o que lhe dizer. Se por um lado estava contente por outro lado não sabia o que mais haveria para ser dito. De repente muitas dúvidas se instalaram mas ao mesmo tempo uma enorme curiosidade sobre o que o tinha feito vir até mim.
- Sim, claro!
Senti algo de bom a invadir-me o peito enquanto esperava, uma onda de felicidade que não sabia bem vinda de onde.
Percebeu o medo que a consumia.
Por tudo o que lhe tinha contado sobre o seu passado, apesar de ainda não lhe ter contado exactamente tudo, mas pelo menos o que seria mais importante.
Tinha ficado na praia a ver o por do sol, depois de a ter visto desaparecer no horizonte, até onde a vista lhe tinha permitido.
Tinha mesmo de ir até Grimsby, pensava, não havia volta a dar. Por mais que quisesse adiar esta viagem, estava fora de hipótese, pois havia decisões importantes a tomar e que dependeriam apenas dele, muitas pessoas dependiam dele e não as podia desiludir.
Tinha vontade de a ter seguido e tê-la feito parar e dizer-lhe o que estava a começar a sentir por ela, mas o medo da entrega estava a impedi-lo de se dar como gostaria, alguma coisa o bloqueava, e não estava a ser fácil superar esse obstáculo. Ela tinha o passado resolvido. Ele ainda não. E ai estava a grande diferença entre os dois. Nada estava a correr como tinha planeado, mas a verdade é que tinha acontecido e ele próprio tinha deixado acontecer simplesmente, nada tinha feito para o evitar talvez porque a necessidade de um afecto, um carinho, de alguém que o fizesse sentir diferente também o perseguia, e agora sentia a mágoa que ela estava a sentir, a desilusão, o sofrimento.
Queria puder dizer-lhe que a ida dele seria breve, ou pelo menos queria acreditar nisso, mas sabia que podia não ser bem assim. E se tudo mudasse entre eles? E se quando regressasse, ela achasse que já não valeria apena?
Ainda mesmo antes de ter chegado junto dela nesse dia, ela já sabia que alguma coisa não estava bem, e ele tinha percebido isso nos seus olhos.
Ocorreu-lhe uma ideia, que o fez despertar daquele estado e não sabendo se iria resultar ou não, estava disposto a arriscar. Não fazer nada seria pior, deixar as coisas como estavam seria um grande erro, ele iria lutar por algo mesmo que no fim não valesse apena, mas pelo menos não ia deixar ficar as coisas como estavam, sem arriscar numa possibilidade, sem perder a esperança.
Caminhava agora a passos largos no areal, havia uma possibilidade que não sabia se lhe iria agradar ou não, mas aquela ideia estava a crescer dentro da sua cabeça, e queria chegar ao carro o quanto antes. Não havia tempo a perder.
O caminho até casa estava a ser penoso, longo.
Sentia-me perdida, não me sentia a caminho de nada, não me sentia a chegar a lado nenhum. Apenas seguia aquela auto-estrada que hoje parecia não ter fim.
A dor não tinha passado, apenas se acentuou ainda mais. E os meus pensamentos tinham ficado naquela praia.
Tinha sido completamente estúpida, pensava agora. Tinha deixado Pedro ali, numa conversa que tinha ficado a meio, sem qualquer explicação, sem um Adeus, nada. Mas o que estava a passar-se também não era justo, pensava eu, torvando aquilo que não queria ver, ou que não queria reconhecer. Nada teria a ver uma coisa com a outra e a realidade é que apenas tinha pensado em mim e no que estava a sentir.
Sentia-me exausta, perdida, desamparada.
Sentia as lágrimas a correrem simplesmente quase me turvando por completo a visão, o meu subconsciente dizia para parar na próxima estação de serviço para me acalmar um pouco, a minha vontade era chegar o mais depressa possível a casa e fechar-me no meu canto.
Nada estava a fazer sentido, tinha começado a gostar de alguém que mal conhecia e tinha-se deixado ir, inconscientemente ou por vezes até não, mas a verdade é que estava agora naquela situação e nem sabia bem como tinha lá chegado.
Assim como também não sabia quando iria chegar a casa, aquele ritmo.
As férias já iam quase a meio, e se por um lado achava que tinha feito bem ficar e investir naquela relação, se é que lhe podia chamar isto, por outro lado parecia que tinha tido pressa em sofrer, em sentir o que já há alguns anos atrás não sentia, em negação por mim imposta.
Se por um lado tinha sentido coisas que me estavam a sentir viva, confortada, agora sentia Medo. Medo esse que me atormentava. Que me consumia por dentro.
E a estação de serviço já tinha ficado para trás.
Apetecia-me ter a tua língua contra a minha num beijo entrelaçado e sequioso do teu gosto.
Vivo o teu desejo em mim, a palmilhar cada poro da minha pele deixando que te entranhes na carne que chama por ti. Deixa-me chegar de mansinho e percorrer o teu corpo com o meu toque perfumado que te excita, que te revela, que te desconcentra em movimentos reveladores de um desejo anunciado. Segredo-te desejos, percorro-te atentamente fixando cada ponto do teu corpo onde te contorces e estremeces, onde te dás e me surpreendes, onde te sinto, onde te vulgarizo em mim. Chupo-te o gosto, toco-te freneticamente, sinto-te pasmado e impotente, sem controle entregue à minha ansia de te ter. Acolho-te em mim, numa intimidade cúmplice de um jogo viciado onde somos meras marionetas que se confundem num único ser. Que se funde.
Ergue-me ao som de um violino e faz do nosso amor um concerto desconcertado!
De certa forma, fiquei com a sensação que a vontade que tinha de desaparecer era mais forte do que lhe dizer o que me ia na alma, não estava a conseguir disfarçar o meu desconforto, a dor que sentia e até o simples respirar estava-me a sufocar, sentia-me prestes a explodir ou em lágrimas, ou a dizer-lhe tudo o que me estava a passar pela cabeça.
Por outro lado, sabia que aquelas seriam as últimas horas que estaria perto dele, pois partiria no dia seguinte de manha cedo como já me tinha dito entretanto.
Estava demasiado absorvida em todos estes pensamentos e já nem sequer disfarçava, enquanto ele tentava fingir que não percebia o meu estado de espírito, continuando a conversar como se nada se passasse.
- Vamos dar uma volta?
Encolhi os ombros. Abraçaste-me e quase me arrastaste pela praia, já depois de nos termos descalçado.
- Eu vou e volto, não precisas de te preocupar... – disse quebrando o nosso silencio à medida que caminhávamos.
- Mas o meu instinto diz-me que não.
- O teu instinto está enganado desta vez.
- Será?... - Olhei-o fixamente, esperando que reagisse, que me dissesse algo que me deixasse com alguma esperança.
Em vez disso baixou o olhar, como a fugir da minha questão. E isso ainda me agonizou mais a dor que tinha começado a sentir algures quando ainda estávamos na esplanada.
- Porque é que essa tua reacção ainda me deixou com mais certezas do que acabei de dizer?
As minhas palavras saíram frias, calculistas, um nó na garganta atrapalhava-me a fala e percebi nesse momento que estava a tentar afastar-me, criar uma barreira, algo que me defendesse da distancia que nos ia separar, talvez, para sempre.
Estava virada para ti, impedindo o teu avanço no areal, esperava uma reacção, algo que me confortasse, que me afastasse dessas certezas que se clarificavam cada vez mais, com tanto silencio que vinha da tua parte.
- Bem me parecia. - Disse-lhe repentinamente.
E dito isto abandonei a praia.
Não olhei para trás. Em vez disso, apareceram as lágrimas que corriam agora livremente libertando-se da prisão que as tinha mantido até ali.