O teu olhar que segreda com o meu, momentos de demência, o teu sorriso particular que me revê de dentro para fora, a tua expressão fulminante de quem me prepara uma emboscada e que lhe apetece sempre mais, os teus lábios que me prendem ao teu paladar e apenas a ti, o desejo de que o teu toque me palmilhe o corpo de uma ponta a outra, deixa - me assim...
Fora de mim!
A noite alongava-se. O tema que me tinha levado até Pedro tinha-se dissipado. A mesa, partilhámos sorrisos e boa disposição, e em Pedro notava-se agora um alívio que não me passou despercebido, antes pelo contrário, era mais que óbvio que tinha desenterrado um assunto que se encontrava há muito tempo fechado num baú em que só ele teria a chave. E agora todo o ambiente estava mais solto, leve sem fantasmas pelo ar, pelo menos aparentemente.
- Em que estas a pensar? Agora é a minha vez de te perguntar…
- Em nós. E na conversa que tivemos antes daqui chegarmos.
- Não penses muito. – Fez uma pausa – Deixa acontecer.
- E deixo acontecer, o que?
- O nós.
- Ah, isso. – Engoli em seco e olhei-o nos olhos, à procura de uma resposta à minha pergunta seguinte - Mas queres que aconteça?
- Não sei. Mas estou a gostar da tua companhia e isso agrada-me. E tu?
A resposta não me convenceu, o que me fez pensar uns instantes antes de lhe responder, antes de lhe dar talvez a resposta que me apetecia dar, mas contive-me antes de falar o que realmente sentia vontade de lhe dizer.
- Também. E muito. Esta a ser um bom princípio de férias! Acho que nunca vim até à praia tanta vez em tão pouco tempo como agora…
- Porque? Não gostas de praia?
- Não sou grande apreciadora de confusão, prefiro a praia quando esta deserta. Ou quase.
- Então estas como eu.
Sorrimos ambos.
Estava na hora de me ir embora, pois se não fosse dentro de pouco tempo, depois seria muito mais complicado faze-lo, até porque a vontade de voltar para casa não era nenhuma e com Pedro teria que ter cuidado com as minhas intenções e vontades, pois naquele momento a minha vontade era mesmo ficar. Mas sentia que tinha que lhe dar tempo para digerir toda aquela situação, para que nada fosse precipitado e motivo para arrependimentos.
Não estava a lidar com um homem qualquer, mas não queria magoar nem sair magoada, afinal o sentimento estava a crescer e isso também me estava a assustar.
Encontro intencional. Olhares que se cruzam. Empatia inevitável que surge apenas com um toque casual ou através de um aroma que nos capta a atenção. Sorrisos camuflados. Olhares cúmplices que se envolvem à medida que a distância encurta. Revela-se intenção no passo que abrevia a distância. O olhar que aprecia o que examina com gosto. A libido que cresce e nos envolve numa intenção seguidora do prazer. Um aproximar ainda mais evidente com invasão do espaço individual, a barreira que se quebra, um falso sorriso tímido, um olá expressivo. Um toque no rosto. Um contacto dos corpos. Um sentir especial.
Não quero promessas. Fecha os olhos.
Sente apenas…
Solta-te!
Solta-te de falsos moralismos
De pudores irreais
De palavras banais
Ou de fingidos romantismos
Solta-te!
Do que é preto no branco
Do que é certo ou errado
Do que é novo ou usado
Ou de um beijo repenicado
Que nem aquece nem arrefece!
Vive!
Vive para ti
E para quem te ama.
Jamais peças o impossível
Quando o executável
Esta ao teu alcance.
Olha em tua volta
E aprecia
Soltando-te e vivendo
A vida
Tal e qual como ela é
Aprendendo e crescendo
Sem qualquer tipo
De remendo
Ou explicações em rodapé!
- Em que estas a pensar? Perguntei, interrompendo os teus pensamentos.
- Estava a pensar no porque de te ter contado tudo isto.
- E já chegaste a alguma conclusão?
- Já. Porque estou a ficar louco! – Esboçaste um sorriso tímido.
- E isso é bom ou é mau? - Insisti.
- Francamente, não sei.
- Estou a ver.
- Não, não estas.
- Ah isso é que estou…
- Tens fome? Já viste as horas? - Perguntaste, em jeito de desvio de assunto.
- Onde me queres levar agora?
- Já vais ver.
Sentia a tua confusão. E sabia que tudo isto te estava a afectar realmente. Ate porque eu sabia o que estava ali a acontecer. E sabia que tu também tinhas a consciência disso. Apenas não o querias aceitar. É o que acontece quando nos agarramos ao passado. E também ninguém melhor do que eu para reconhecer esse comportamento, mas terias que ser tu a resolver isso na tua cabeça. E no teu coração.
A questão apenas se prendia se querias ou não a minha ajuda, e era isso que me estava a custar decifrar no teu olhar ou nas tuas expressões. Teria que esperar para ver.
A noite continuava clara e as estrelas povoavam o céu, deixando um rasto de luz na sua passagem pelo espaço azul-escuro. Desejei que aquela noite nunca chegasse ao fim, e que aquele momento que me estavas a proporcionar não acabasse nunca.
As férias estavam ainda no início, e não estava nada preocupada em apressa-las, antes pelo contrário.