Trago comigo espinhos.
Magoam-me, ferem-me a pele e o toque. Atravessam-me a carne sem dar por isso, ou sem ter sequer pedido. Vou ter que os retirar um a um, apenas não sei ainda bem como, nem quando vou conseguir retira-los a todos. Nem sei se tenho paciência para o fazer ou se os deixo ficar. Afinal, se os sinto é porque ainda estou viva.
Será bom sinal então…?
- Estou?...
- Joana?... Ouvi do outro lado.
Por instantes pensei que se tinham enganado no número. Mas aquela voz….
- Pedro???!
- Sim. Olá…
- Olá! - O meu coração disparou a mil. Afinal tinha sido boa ideia antes de ter saído da praia ter deixado um papel com o meu contacto na caixa do correio.
Fez-se um silêncio.
- Obrigada por teres trazido o chapéu. Não era preciso…
- Não me custou nada. Como estou de férias, fui dar uma volta por aí e como ainda o tinha no carro, aproveitei. Então, como vão as pescarias?
Não estava a acreditar que afinal alguma coisa o tinha feito ligar, nem que fosse apenas para agradecer.
- Bem, vou menos ao mar agora. De férias então?
- Sim, duas semanas.
- Que bom…
- Tenho que aproveitar para descansar, ganhar energias. Disse-lhe.
- Percebo.
Fez-se novamente silêncio.
- O que vai fazer nas férias?
Era interessante a maneira como ele articulava o seu trato comigo. Ora me tratava por tu, ora fazia a maior das cerimónias.
- Vou estar por aqui, mas não faço intenções de estar aqui muito tempo, ou melhor não vou para longe mas faço intenções de passear muito.
- Quer cá vir? Gostava de lhe mostrar umas pinturas que ando a fazer. Gostava de ouvir a sua opinião.
- Sim, teria muito gosto nisso. Tentei lhe dizer sem grande entusiasmo o que estava a ser difícil da maneira como estava a explodir de alegria por dentro.
- Amanhã pode ser?
- Sim, ai estarei.
- Até amanha então…
- Até amanhã.
Não quero que o silêncio me afaste de ti.
Apenas quero que traga o momento em que o meu grito fazia eco na tua voz.
Durante a viagem, revi aquele dia mentalmente.
Como começou, como acabou.
Estava mais que visto que a minha vinda hoje não teria nada de inocente, que no fundo tinha esperança de reencontrar aquele homem que à sua maneira tinha me cativado. Talvez pelo mistério que se fazia envolver. Pela sua solidão, e pelos motivos que desconhecia que o tinham levado a optar por aquele estilo de vida.
Cheguei à esplanada que à muito tinha elegido como minha preferida naquela praia, e fiz a minha refeição calmamente. A vista dali dava uma amplitude sob o mar quase completa, apenas a enseada ficava ligeiramente mais camuflada. O que não facilitava as minhas intenções.
Acabei a refeição e aproximei-me da praia, nada que um passeio em direcção aquele local não facilitasse a minha vontade de tornar a vê-lo, apenas não sabia o que iria encontrar, ou sequer se o iria encontrar. Antes disso, fui buscar o chapéu que tinha no carro, afinal, seria um pretexto para estar ali se precisasse de um.
Comecei a caminhar na avenida que acompanha a praia até ao seu final. A partir dali teria que atravessar as dunas para lá chegar pois apenas por ali tinha acesso ao sítio onde Pedro vivia. Aquele nervoso miudinho começou a apoderar-se de mim.
Chegada à praia, olhei em redor.
O barco estava ancorado mas não havia sinal de Pedro.
Respirei fundo, enchi-me de coragem.
Bati à porta. Nada. Um silêncio profundo instalou-se entre a minha expectativa e a esperança de ouvir algum som familiar.
Nada novamente.
As minhas esperanças caíram por terra. Deixaria ali o chapéu, afinal não havia nada que me fizesse regressar, pelo menos nada de concreto e estar a forçar um reencontro novamente seria voltar a ter esperanças infundadas e sem qualquer razão para existirem.
Aquela história acabaria ali.