Almoçamos numa espécie de tertúlia em que definia como a sua 2ª casa, visto que conhecia o dono há anos, desde que se tinha mudado para lá.
Passamos o resto do dia pela praia onde me mostrou os recantos que eu desconhecia nas rochas e na enseada e ate demos uma volta de barco pela costa.
O dia passou a correr. Quando demos conta já o sol se punha e fomos ate à praia para assistir aquele espectáculo.
- Não gostava de morar em qualquer outro lugar. Aqui sinto-me em paz. Disseste-me.
- Pois. Percebo porque. Pedro…
- Sim.
- Tenho uma coisa para te dizer.
- Diz…
- Eu não me chamo Joana…
- Não…?
- Não. Leonor.
- Tudo bem.
- Espero que percebas que não me sentia lá muito à vontade naquele dia.
- Sim, claro. – Fez-se um silêncio aterrador, onde apenas se ouviam as ondas do mar. Não tens de ir…? Perguntaste-me com uma indiferença, que me congelou da cabeça aos pés. Percebi que tinha estragado tudo.
- Sim.
- Eu levo-te ao carro.
Caminhamos em silêncio.
O mal já estava feito, não poderia remediar o que não tinha mais remédio, nem podia voltar atrás.
- Chegamos.
- Foi um dia agradável.
Engoli em seco.
- Pois foi. Pedro, alguma coisa mudou…?
- Não, esta descansada.
- Não é isso que estou a sentir.
- É impressão tua.
Sorriu. Aproximou-se e deu-me um beijo na testa. O meu corpo vibrou. Olhei-o nos olhos. Desviou o olhar como de quem foge de uma realidade que sabemos que não vamos conseguir evitar.
Segurei o teu rosto entre as minhas mãos, obrigando-te a olhar para mim.
- O que é que se passa?
- Nada.
- Pedro, eu sei que se passa alguma coisa. Parece que me estas a evitar.
- A evitar o que…?
- Isto.
O desejo acumulado da vontade que tive de te beijar durante todo aquele dia, a vontade que demonstraste ter em resposta, deu lugar a um beijo com um sabor intenso, uma ânsia que culminou numa fúria que vinha bem do fundo, sequiosa de paixão, do gosto, de nós. Só paramos quando não conseguimos mais suster a respiração, quando te deste conta que provavelmente já estarias à demasiado tempo a apertares-me contra ti com a violência que o desejo assim impunha.
Olhei para ti, quase em jeito de desespero.
- Pedro…
- Shiuuuuu… não digas nada. Deixa-te estar assim.
Envolveste-me novamente nos teus braços, e deixamo-nos ficar num silêncio que parecia como quase obrigatório.
Tenho consciência de que já fui maioritariamente sexual, em que apenas o meu interesse se fixava na busca do prazer, em que o meu objectivo era em dar e receber sem para isso haver sentimentos à mistura.
Também já fui sentimentalista, em que o sentimento era o que fazia mover o meu estado de espírito, a minha maneira de estar perante os outros e o sexo uma consequência disso mesmo. Da sua existência ou da sua anulação.
A ideia de que o ser feminino é movido pelo sentimento, não me parece de todo verdadeiro. Também gostamos de sexo, apenas pelo sexo, mesmo dentro de uma relação estável [ou não], onde pode existir [ou não] um sentimento.
E a ideia de que os homens são puramente sexuais, também sabemos que não é assim. Os homens também choram, também sentem. Apenas não o demonstram com a facilidade de que nós mulheres o fazemos, sem qualquer problema.
O importante é que nos sintamos bem como somos e com o que fazemos, sem magoar o próximo, independentemente da nossa posição.
E vocês, como se sentem hoje?...
Seduz-me num acto de loucura, toca-me como da ultima vez se tratasse, faz de mim a personagem principal desta trama de total prazer...
Vinga-te em mim !
Eram quase dez horas quando cheguei em frente da porta da casa de Pedro.
A praia estava incrivelmente deserta para aquela hora da manhã e do outro lado vinha um aroma a café acabadinho de fazer.
Bati à porta.
- Olá! Disse-me Pedro assim que abriu a porta e deu de caras comigo.
Estava sorridente, muito diferente do que me lembrava dele desde a primeira e a ultima vez que nos tínhamos visto.
- Não cheguei cedo demais…? Perguntei ao vê-lo ainda de pijama vestido.
- Ah, não… chegou mesmo na altura certa para beber um café acabado de fazer.
- Aceito.
Passou-me uma caneca com um líquido a fumegar.
- Obrigada.
Sorriu.
- Vou-me vestir enquanto bebe. E desapareceu logo de seguida atrás de uma porta.
A um dos cantos da sala, viam-se algumas telas de diversos tamanhos, tintas e pincéis um pouco desordenados em cima de uma mesa de apoio. Panos com manchas de tinta e um avental que serviria de apoio à pintura.
Estava também um quadro que estava, não sabia se propositadamente, tapado com um pano branco. Senti curiosidade em espreitar, mas resolvi não o fazer. De resto tudo parecia igual, tal e qual como estava da última vez que ali tinha estado, a única diferença é que hoje os raios de sol entravam pelas vidraças e dava aquele lugar um ambiente menos escuro, mais envolvente.
Surgiste pouco depois já vestido com calças de ganga e uma camisa aos quadrados com um estilo muito descontraído, que me agradou.
- Vamos?...
- Onde?
- Quero mostrar-lhe o que tenho andado a fazer…
- Pedro.
- Sim?
- Podes-me tratar por tu, se faz favor?
- Posso… claro. Desculpa. Não é fácil habituar-me. E com um sorriso meio envergonhado, abriste a porta e encaminhaste-me para as traseiras da casa onde havia um pequeno casebre, que da última vez que ali tinha estado não tinha reparado na sua existência.
Abriste a porta e ali encostadas estavam meia dúzia de telas em tamanho gigantesco.
Fiquei boquiaberta. Não estava a espera de encontrar uma pintura contemporânea, completamente abstracta, sem haver uma paisagem, um objecto específico, um rosto…
Usavas cores vivas misturadas com cores terra, e em algumas predominavam os azuis, o que dava a entender que a fonte de inspiração estaria ali mesmo, o mar na sua plenitude.
Tudo ali tinha vida, movimento, alegria, fazia transparecer um espírito cheio de energia, um Pedro que eu não imaginava que eras.
- Então… que me dizes?
- Bem… não estava à espera, confesso.
- Estavas à espera de encontrar paisagens, ou algo desse género?
- Sim, foi o que pensei… Mas gosto. Tem uma boa combinação de cores, tem movimento…
- Não esta, não estas a dizer isso apenas por dizer?
- Não, claro que não. E é bom que percebas isso, se me pediste uma opinião, seria sempre honesta, não achas?
- Sim, sim… espero que seja sempre assim.
- E aquele quadro que tens em tua casa?...
- Hum… Aquele quadro é… é meu.
Aquela resposta deu-me a entender que não tinha sido grande ideia tocar no assunto.
- Ainda não esta acabado… disse Pedro tentando me demover da ideia.
- Sim, compreendo. O que é que vais fazer com estes quadros?... Perguntei, tentando desviar um pouco o rumo da conversa visto que claramente o incomodava.
- Por enquanto, vão ficar por aqui. Mas estava a pensar expô-los numa galeria, em conjunto com outros pintores desconhecidos, se possível claro… Tenho alguns contactos.
- Estou a ver, um pescador com alguns recursos… e muitas surpresas também!
Muitos de vocês talvez se interroguem porque escrevo sobre sentimentos.
Não pretendo que esta página seja um reflexo de mim, mas de sensações comuns a todos nós. Escritas sim e talvez na sua maioria na 1ª pessoa.
Mas estas sensações não são minhas. São partilhadas. São nossas. Quero e espero sinceramente que eu tenha hoje e sempre, mais e mais motivos para escrever.
Um ditado diz que “quem canta, seus males espanta”.
Eu escrevo. Escrevo porque sinto. E porque sentir faz parte do todo o Ser.