O meu GPS indica-me o meu trajecto favorito.
Mas eu já o tinha excluído. Uma vez. Várias vezes. Mas ele insiste em direccionar-me para ti, mesmo que tente banir a tua morada da sua memória. Mesmo que eu insista que não é para lá que quero ir. Mas volta a aparecer no ecrã, e eu volto a apagá-la sem resultado.
Quantas vezes mais vou ter que insistir… ?
Dias passaram. Semanas também.
Raramente me lembrava daquele dia. A única coisa que me fazia lembrar de Pedro era o chapéu-de-chuva que ainda se encontrava no carro exactamente no mesmo sítio onde o tinha abandonado.
As minhas férias tinham finalmente chegado.
Depois de muita azáfama para que pudesse deixar tudo orientado, durante a última semana na empresa, este seria o meu primeiro dia de que teria realmente descanso, de duas semanas sem horários pré-definidos, sem pressões, sem o stress diário e objectivos para cumprir. O primeiro dia em que realmente pensaria exclusivamente em mim, e em que me deixaria deliciar a acordar um pouco mais tarde, e a tomar um banho mais relaxante e demorado. Daria-me a esse luxo já que todos os dias, o duche substituía o banho de imersão. Hoje teria finalmente esse prazer.
A manhã passou a correr e fazer almoço estava fora de questão.
O dia estava resplandecente, radioso, com uma ligeira brisa que fazia lembrar aqueles dias primaveris, diria perfeitos.
Convidava a um passeio longe da cidade, longe de tudo e de todos.
Um almoço leve, com poucas calorias seria o ideal e de preferência numa esplanada com pouca gente, iria ler um bom livro que compraria na minha livraria de eleição há vários anos, e aproveitaria os raios de sol que pareciam querer presentear-me parecendo querer comemorar comigo este primeiro dia de total languidez.
Onde me apetecia ir?...
Hum...............
E porque não?
Alicia-me na penumbra da cegueira.
Faz de mim tua refém, nos teus desvarios.
Sem receios. Sem pudores.
Como? Questionas…
Não é difícil.
Dá-te asas. Verbalizo…
A sua voz era imponente, voz grave com um ligeiro sotaque inglês e no meio de algumas aventuras que me contou sobre as suas idas para o mar, eu sentia-me cada vez mais cativada pelo seu jeito tímido, pela forma como olhava de soslaio para mim, evitando olhar-me nos olhos, evitando um traço de simpatia mais expressivo ou até um sorriso.
Pedro encontrava-se distraído de volta da lareira.
- Tenho de ir…
- Sim, claro. Entendo.
Desejei que me tivesse pedido para ficar mais um pouco mas também sabia que não podia faze-lo, pois ainda tinha quase uma hora de caminho para fazer, e a chuva apesar de ter acalmado ainda estava bem presente e antes que piorasse novamente teria que abandonar a praia.
- Leve isto, ainda chove. Disse-me ao passar um guarda-chuva para a mão.
- Obrigada novamente por tudo. -disse-lhe antes de abrir a porta para o exterior. – Prometo devolver! Fazendo um movimento de reconhecimento ao guarda-chuva.
Esboçou pela primeira vez um sorriso. Tímido mas mesmo assim um sorriso que me enterneceu.
Fiquei com a sensação que nenhum dos dois desejou que aquele momento de despedida chegasse, mas era inevitável.
Já de regresso às dunas e à passagem que as dividia, olhei para trás e vi-o à entrada da porta a acenar-me.
Acenei de volta. Por instantes apeteceu-me voltar aquele local em breve.
Rabisco porque me liberto.
Porque detrás de cada letra que se transforma irradio muito do que sou, mesmo que não saibam o significado do que [te] digo, mesmo que as palavras vos pareçam desordenadas, sem nexo, sem qualquer fundamento para que as mesmas sejam ditas.
Rabisco porque sinto. Julgam que me conhecem e regozijo com isso. Gargalho silenciosamente através dessas mesmas palavras, porque através das mesmas atordoo, silencio-me, mas deixo suspensas meditações que vos levam a fantasiar.
Não busco compreensão, no que [Te] escrevo.
Apenas me solto através das palavras porque com elas o que sinto alcança vida, ganha uma forma mesmo que com nada se pareça.
Forma essa que me transforma, forma essa em que me avalio.
E [me] dou de mim.