Segunda-feira, 29 de Janeiro de 2007

Um conto... 3ª Parte

Sentia-me satisfeita por ter decidido a sair de casa.

O que realmente estava a precisar era de ter por perto existências, sem ser a minha.

Mesmo que só.

Nunca fui de muitas lamúrias, a vida assim me tinha demonstrado que sentir pena de nós próprios, não fazia de nós melhores pessoas, ou transformaria alguma coisa se não fossemos nós próprios a pensar de uma outra forma, a encarar a vida numa outra perspectiva.

O restaurante começava a ter outro ambiente. As mesas pareciam agora ter mais vida, aos poucos iam entrando casais de namorados que lá se iam acomodando e trocando confidências, sorrindo através de uma ou outra piada lançada por um dos membros. Entraram também alguns casais com crianças, algumas delas demasiado irrequietas que remexiam com a paz que ainda se conseguia sentir, dando alguma vida, e provocando nos pais algum desagrado, alguns mais ferozes que outros….

Algumas mesas estavam reservadas para grupos maiores, talvez comemorações de aniversários. Os empregados começavam a circular com algum vigor, parecendo darem bem conta do recado.

Uma mesa em particular tinha cativado um pouco mais a minha atenção.

Sentado, numa mesa mais distante estava um homem acabado de chegar, que cativou os meus sentidos. Tinha um rosto bem delineado, másculo, e transmitia uma calma invejável. Tinha muito bom gosto no vestir, dando-lhe um certo charme e o seu porte altivo dava-lhe uma imagem difícil de ignorar. Transmitia segurança, e fazia parecer que a experiência de vida tinha-lhe dado um certo á vontade para estar bem em qualquer que fosse o ambiente em que se encontrasse mas sem entrar em exageros.Os seus olhos, negros como olivas, perdiam-se pelo restante espaço não ocupado por si mesmo, embora parecendo ausente nos pensamentos, não parecia perdido, apenas absorto no que envolvia a sua mente. Fez sinal ao empregado que passou mesmo ao lado da sua mesa, e depressa foi atendido. Tinha um ligeiro sorriso nos lábios que lhe dava um ar misterioso, perigoso, até. Fazia lembrar aqueles actores de cinema inatingíveis, que nos chegam pelo ecrã de uma sala de cinema, e que almejamos ter um dia aos nossos pés, mas que sabemos que se trata de algo impossível de alcançar.

(No entanto quem nos proíbe de sonhar, não é….)

Estava tão distraída que nem reparei que mesmo ao lado, se tinha sentado um casal amigo que depressa se fez notar que ali estavam, quando deram pela minha presença. Preferia que não o tivessem feito. Até á pouco tempo queria estar acompanhada, para me distrair, e não pensar no que me tinha deixado naquele estado à horas atrás, e agora deparava-me com uma vontade enorme do contrário, queria tanto ter passado despercebida aos olhares dos outros e sempre que podia agora deitava um olhar disfarçado, subtil aquela mesa, aquele homem que tinha prendido a minha atenção.

Entre gargalhadas e conversas de ocasião acho que ninguém deu pelo meu interesse.

Isso deixou-me aliviada.

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Escrito por FlordeLis às 11:43
| Vossas memórias | Devaneios (6)
Terça-feira, 23 de Janeiro de 2007

Um conto... (2ª parte)

Voltei a enfiar-me dentro dos lençóis que me cobriram e aconchegaram para bem longe do mundo cinzento que estava lá fora. Pelo menos foi o que senti naquele momento. Parecia querer esconder-me de alguém, de alguma coisa, ou talvez esconder-me de mim, do espelho que teimava em demonstrar uma figura desconcertante que reflectia bem o humor com que estava naquela manhã.

Toca o telefone. Não me levantei para atender. No entanto senti um nó no estômago em não ter atendido, um sentimento de culpa, um mau estar como se tivesse que justificar um acto como este. Dei mais voltas na cama, embora até ali estivesse a sentir-me impaciente, nada me acalmava neste estado. Nem o facto de o silencio me ter invadido, a paz que sentia não era verdadeira, apenas se tratava de solidão, algo triste, algo que me fez por instantes encher os olhos de lágrimas ao recordar o porque daquele estado. Estava a tentar esquecer, mas ali, os pensamentos iam sempre ao encontro de algo amargo, algo que flutuava em todas as divisões daquela casa.

Tinha de fugir dali, o quanto antes. Com muito custo, resolvi meter-me apresentável ao mundo que se encontrava do lado de lá daquelas paredes. Almoçar fora iria saber-me bem, e ao espreitar pela janela, pareceu-me bastante melhor, o céu já não estava completamente coberto de nuvens ameaçadoras, já se apresentavam rasgos de azul no céu. O dia estava bastante mais claro e mais convidativo para uma saída de casa. Depois de demorar o tempo necessário para tomar um banho rápido, meter um pouco de maquilhagem e vestir algo confortável adequado ao tempo que estava lá fora, olhei para o espelho, assim sim, parecia outra pessoa. Alguém bem melhor do que há uns minutos atrás. Senti-me bem mais satisfeita.

Dirigi-me a um restaurante simpático à entrada da cidade que sabia que estava aberto ao domingo, e que apesar da cidade não ter grande movimento naquela dia, conseguiam tirar proveito do facto de a maioria dos restaurantes e cafés da zona estarem fechados, estando sempre quase lotados, mas como cheguei cedo ainda tive possibilidade de escolher uma mesa bem posicionada perto da janela, mesmo ao canto daquela sala, onde se estendiam varias mesas com toalhas brancas de puro linho e uma pequena jarra no centro de cada uma delas. Ao fundo, estendia-se um vasto balcão, com varias bandejas bem distribuídas com pequenos pratos de aperitivos, um enorme arranjo de flores coloridas enchiam o balcão de cor, ao lado dispunham-se guardanapos, galheteiros e garrafas de vinho de todas as regiões. Todo o tecto estava forrado em madeira com pequenos candeeiros espalhados uniformemente dando a divisão um ar e acolhedor e simpático. As paredes num tom amarelado ajudavam ao conforto que se fazia respirar ali, não parecendo ate um restaurante muito comum, devido a atenção que se tinha criado com simples pormenores. Um rapaz circulava com agilidade naquela sala com um sorriso quase encantador, envergando uma farda impecavelmente bem engomada dando-lhe um ar extremamente profissional e cuidado. Tudo parecia ter sido pensado com extremo cuidado e nada tinha sido deixado ao acaso. Já lá tinha estado uma ou outra vez e tinha gostado.

 

 

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Escrito por FlordeLis às 00:00
| Vossas memórias | Devaneios (10)
Sexta-feira, 12 de Janeiro de 2007

Um conto...

Olhava fixamente através da janela. 

Uma poça de água tinha-se fixado num determinado local ali na rua mesmo em frente. Irreflectidamente mergulhava nela a minha vida.

Debruçada sob o parapeito da janela, apoiando os cotovelos na pedra de mármore fria, perdia-me no tempo, não conseguia afastar o olhar daquele charco que teimava em aumentar de tamanho. O dia, cinzento e escuro, não convidava a por um pé fora de casa. Encontrava-me naqueles dias que não nos apetece fazer nada, apenas ver o tempo passar e esperar que o dia acabasse.

Senti vontade de voltar para a cama, e esquecer os momentos amargos que me estavam a envolver em pensamentos, apetecia-me apagar esses instantes, como se nunca tivessem existido, envolvendo-me num sono profundo.

Apesar de ser uma pessoa que raramente deixa transparecer o que lhe vai na alma, quando se tratava de algo triste, naquele dia, seria inevitável, se me cruzasse com alguém. Nada me iria fazer animar, sentir-me alegre. Olhei para o espelho, vi o reflexo de alguém que não queria acreditar no que estava a ver, naquele dia pelo menos. Os cabelos apesar de curtos, estavam completamente desalinhados, dava-me um ar horrível, à volta dos olhos cercava-se uma leve sombra escura, bem visível, espelho de uma noite mal dormida, parecia que naquele momento conseguia ver todos os defeitos que não via nos outros dias, diariamente…

(já repararam que sempre que estamos tristes vemos até o que não existe…?)

Sentia-me assim. Vontade de me esconder do Mundo que havia lá fora, ou então andar nas ruas mas passar despercebida aos olhos de todos, esperar que ninguém notasse a minha existência. Afinal, não faria muito sentido sair á rua, o dia estava chuvoso, cinzento, não convidava ninguém, e sendo fim de semana, sem ter que cumprir horários, parecia-me a opção mais razoável, ficaria por ali mesmo, não convidaria ninguém para ir beber um café, não telefonaria a ninguém, não esperaria visitas, nem abriria a porta se alguém resolvesse tocar á campainha.

Estava decidido.

Nada me iria fazer mudar de ideias…

 

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Escrito por FlordeLis às 19:57
| Vossas memórias | Devaneios (11)
Quarta-feira, 10 de Janeiro de 2007

Sentimento

Existência fugaz. Fogueira ardente. Sentimentos que se confundem. Lembro-me da primeira vez que senti aquele friozinho pela espinha cima, o desejo do primeiro beijo, o nervosismo apenas de estar perto, o pensar constantemente na mesma pessoa sem parar, a dor de barriga e as palavras que não saiam na altura certa…. Todos nós sabemos o quanto é bom estar-se apaixonado, pelo menos para quem já viveu este estado, mas, de facto a nossa Natureza não nos permite estar por muito tempo nesta condição, porque não aguentaríamos tanto tempo num estado de ansiedade permanente. O que é uma pena….

Enquanto se sente, é bom, mas ao mesmo tempo passa-se por estados de humor bastante diferentes, totalmente incontroláveis, permitindo-nos a perfeitas loucuras.

Sentimos que nada nos é capaz de atingir. Que a vida é bela. Somos capazes de mover o mundo atrás de um sentimento tão intenso que transborda e que brilha em nós, e não passa despercebido a ninguém. Sei como é bom estar apaixonada. E guardo lembranças boas, momentos únicos até bastante embaraçantes. Fazemos coisas, que racionalmente nunca faríamos, temos atitudes quase de criança, queremos a atenção apenas para nós, perdemo-nos num mundo perfeito, o nosso mundo, nos nossos sentimentos.

Quem nunca esteve apaixonado, não sabe o gosto que a vida tem…

Acreditem que neste momento sorrio, porque me lembro, porque sinto.

Porque lhe sinto o gosto.

 

 

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Escrito por FlordeLis às 00:00
| Vossas memórias | Devaneios (8)
Sábado, 6 de Janeiro de 2007

Conto - II

Estremeci.

Fiquei com a certeza que tudo tinha realmente se alterado. O que tinha acontecido, pertencia, de facto, a um passado, que persisti em alimentar e em acreditar que ainda não estava perdido. Preferi alimentar uma esperança, uma réstia de sentimento durante mais de um ano, mas tudo não tinha passado de um equívoco.

Percebi que tinha cometido um grave erro naquele exacto momento.

Engoli em seco, senti uma mágoa que me encheu o peito rapidamente, como se tentasse trespassar um corpo, agora frágil desprovido de razão para manter esta existência viva.

Tentei permanecer firme, segura, não deixei transparecer o que me ia na alma naqueles instantes, apenas me perguntava com alguma insistência o porque. De estar ali. Sorria, embora se tratasse de um sorriso amarelo, até forçado, sentia-me uma actriz ignorada numa cena de um filme que contava uma história de amor que ninguém patrocinou, apenas tratando-se de mais um fracasso cinematográfico de um realizador qualquer…

Perdia-me nestes pensamentos enquanto tentávamos disfarçar, e evitar algo que sabíamos muito difícil conseguir contornar. Sentei-me naquele banco de jardim já gasto pelas intempéries, pelas estações do ano que se sucediam, sem olharem para trás… finalmente resolvi perguntar-te o porque de estarmos os dois ali... Olhaste para mim e instalou-se um silêncio implacável…

Apenas se ouvia o passar do vento, e um murmúrio provocado ao passar por entre as arvores já sem as suas vestes, que circundavam aquele minúsculo pátio, quase secreto de uma igreja construída no sopé de um pequeno monte mesmo à entrada da cidade … mas quase esquecida por quem ali habitava, apenas relembrada quando no Verão o regresso dos emigrantes, dava mais vida aquele local.

Não soubeste responder. Apenas baixaste o olhar, como quem não queria reconhecer o que estava a vista de ambos. Não querias admitir que o que estava a acontecer ali, eram apenas duas pessoas que não queriam reconhecer que o passado já lá ia mas que teimávamos em deixar sempre uma ponta solta em algo que não queríamos por um ponto final.

Uma historia que se repetia indefinidamente já á muito tempo, sem fim à vista….

Seguraste-me nas mãos, aproximaste-te de mim…

Senti o calor que emanava do teu corpo apenas com aquele gesto.

Esperei.

Olhaste-me, ainda sem saber bem o que dizer, mas algo magico percorreu aquele momento…

- Sabes bem porque estou aqui. Respondeste finalmente….

Olhei para ti, fixei o meu olhar no teu, finalmente aceitei o que se tinha transformado em apenas uma memória que mantinha ainda viva.

- Não. Já não sei. Percebi isso agora.

Dei-te um beijo no rosto.

Virei as costas. Não olhei para trás.

Nunca mais lá voltei.

Nunca mais te vi.

 

 

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Escrito por FlordeLis às 00:00
| Vossas memórias | Devaneios (10)

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