Pinto-te.
No meu caderno de apontamentos, pequeno diário que trago sempre comigo. Registos infantis, algo importante, apenas memorias. Esboço um sorriso, preencho-te as feições com cores quentes, cores que preencheram a alegria de um momento. Relembro-me de ti assim. Alegre, infantil por vezes. Os traços da tua vida demonstram filosofias que apenas a ti pertencem, maneiras de comandar uma existência, uma solidão que manténs viva, uma paz apenas imaginária e fugaz. Aquele grito de criança acorda-me de um sonho. Um sonho feliz e intemporal. Esse sonho que se construiu. Palavras vãs e fugazes, sem qualquer sentido, demonstram a fraqueza dos corpos e de uma alma. Assim como a de uma vela acesa ao mais leve sopro se apaga. A que não revelas. A que apenas eu conheço. Será mesmo que conheço? Aquela que menosprezaste em detrimento de uma realidade, da tua realidade. Não é a minha. Apenas aceitaste o que já era evidente. Choras
Naquelas linhas. Naquela folha. Naquele caderno. Velho. Gasto. Apenas meu. E ali guardo-te. Feliz. Traquina. Sorridente.
Guardo o amanhecer deste dia.
Atento pela vidraça da minha janela despida de pureza, embaciada pelo ar fresco da manhã, cerro os olhos e reflicto, observo diante da vida, que se agita lá fora, que limita os meus movimentos quando acordo para o que me espera. O dia floresce move-se devagar, espreguiça-se dando os primeiros indícios de luz, da animação que não espera. O alento dentro daquele espaço, parece-me abafado, pouco sadio, saturado de um amanhecer repetitivo de pensamentos que se cruzam, que permanecem confinados sem parecer querer sair de uma prisão consequente de ideias que prevalecem apenas como ideias, desejos, soluções para um caso perdido. Errante no espaço. Sumido no tempo. Mantido em mim, como uma relíquia que abrigo, que não deixo que caduque por pura obstinação, por uma esperança ténue que se avista ao fundo de um túnel que teimo em que exista, que cada vez parece-me mais fundo, mais distante, estando mais longínquo do meu alcance. Tento estender uma mão, mas perco-me no espaço que me cerca sem um fim, sem alcance, sem avistar o que eu mais anseio. A solução. Essa solução que procuro
Corro. Fujo. Sinto. Procuro-te. Estarás algures por ali….
Observo as lágrimas que correm no rosto de alguém. Um rosto enrugado pela vida onde se observam traços de histórias sentidas que ninguém quer ouvir. Ignora a vida, que passa mesmo ao lado. Perde-se no meio da multidão. Limitam-se a correr sem rumo, na escuridão. Vejo com clareza a magoa naquele rosto, o pesar que a vida lhe trouxe, através do reflexo de uma vitrina de uma loja qualquer naquela rua perdida no meio de tantas outras que se cruzam, atafulhadas nesta época de gente que corre cheia de pressa, sem reparar que a tristeza mora ali bem perto. Aquele corpo permanece imóvel, sereno, discreto passando despercebido aos olhos dos demais. E olha, para mim, como quem suplica, como quem pensa que a vida é só uma passagem feliz para os outros. Entre vestes de ocasião, de pedaços de tecido imundos e esfrangalhados, de um pedaço de cartão que lhe serve de resguardo, refugia-se alguém que já sentiu a vida, sorriu, planificou um fado risonho, teve familiares. Simplesmente está sozinho. Sozinho abrigado num espaço vazio situado entre a vida e a morte que parece incomodo, mas intacto, invisível e sem memoria, aos de quem passa, de quem corre para um lar, para uma família. No meio da injustiça que com ele permanece ressaltam estes olhos tristes, negros e lacrimantes, ressalva-se uma alma nobre, que em tempos atribuiu amor a quem hoje, o abandonou. Continua apenas fiel a si próprio, através do tempo.
Fui-me embora. Ele ficou.
Um poema muito simples da minha autoria. Espero que gostem....
A saudade amontoa-se,
E corrói um sentimento que trago em mim.
E é assim definitivamente
Que consome sem pena, nem piedade
O sentimento que nutro por ti
Com a leviandade
De uma estranha maldade
Que nasce e cresce sem ter um fim!
Ó alma penada
Que navegas neste mar profundo...
Que se afoga em pântanos movediços
Que trazes no teu mundo
A saudade de um amor
Que em mar alto se afunda
Na profundidade do teu ser
A salvação está condenada
A minha vida perdida sem rumo.
E já rendida sem vigor,
Me vejo abandonada a esta dor
Que carrego para sempre comigo,
Neste coração rendido e abandonado
Por alguém sem valor....
A saudade mata-me
A cada minuto que passa,
E nem o amor me vai salvar.
Vida estranha sem sentido
E nem ao meu mais leve pedido
Tens a mesma capacidade para amar,
Que algum dia poderei ter tido!
A saudade continua viva
Imóvel e firme no seu caminho
Sem se mover, sem se importar...
Vivo sim, vontade de partilhar, de sorrir e de chorar, de gritar bem alto!
Vivo sim, orgulho em ser cruel, orgulho em ser fiel, digna de partilhar e ser comigo partilhados momentos de vida que a poucos são contados.
Vivo sim, a saudade ao reviver o primeiro dia de escola, o primeiro dia em que peguei num cigarro, o primeiro beijo que dei e que não gostei e que voltei a dar para lhe sentir o gosto.
Vivo sim, brio nas minhas vitórias, nas minhas derrotas, nos pontapés que dei e darei durante a vida, nos avisos que me foram dados e não segui e pelo valor que a isso retribui.
Delicio-me sim, pelas minhas escolhas, de ter optado, de ter seguido caminhos em detrimento de outros, quer fossem certos ou errados, mas que por mim foram escolhidos.
Vivo sim, satisfação em ter sido fiel a mim mesma e aos meus princípios, de ser determinada naquilo que quero, as vezes não olhando em meu redor e aprender com os erros que foram por mim cometidos.
Vivo sim, ideias diferentes dos demais e que não me importo de debater e de correr por um ideal se por ele morrer for preciso.
Vivo sim, vontade de amar e ser amada, porque na vida apenas se é fiel uma vez a um grande amor.
Sim!
Vivo tudo isto…
E não te tenho a ti, porque não quis, porque em mim não significas Vida, porque em mim sinto Vida, e o prazer de ser quem sou…